quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Desafio de Leitura da Popsugar #2

Um livro que você nunca terminou de ler

Para esse desafio, eu tinha várias escolhas. No final, as reduzi para Inferno (do Dan Brown, e não do Dante); A Menina que Roubava Livros; Peter Pan; ou O Inimigo de Deus.
Tirei uma foto e pedi pro meu namorado escolher um. Ele escolheu Peter Pan (AMÉM. O MENOR DE TODOS).

Peter Pan, de J. M. Barrie

Por onde começar? Eu já sabia como a estória seria, mais ou menos, por ter visto algumas adaptações (e a da Disney, mais de uma vez), mas não imaginava que o livro seria tão igual e tão diferente delas ao mesmo tempo. 
"O jeito que o senhor Darling usou para conquistá-la (a senhora Darling) foi o seguinte. Todos os inúmeros cavalheiros que tinham sido meninos quando ela era menina descobriram ao mesmo tempo que estavam apaixonados por ela, e todos correram para a sua casa para pedí-la em casamento. Exceto o senhor Darling, que tomou um táxi e chegou primeiro."

Acho que vou começar do início. A primeira coisa que me chamou atenção foi o contraste de coisas reais e de coisas completamente doidas no livro. Ao mesmo tempo que os Darling faziam contas para saber se poderiam ter dinheiro ou não para manter um filho (e depois dois, e depois três, e depois vários), coisa muito real, havia uma babá cachorro que fazia topete, vestia e dava banho nas crianças. A realidade de adultos não querendo tomar remédios mesmo depois de grandes, com a irrealidade de Wendy contando gotas de água normal em um copo e, por isso, a água passando a ter  propriedades medicinais. A ideia tão estranha e ao mesmo tempo tão plausível de que, toda a noite, enquanto os filhos dormem, as mães arrumam as suas cabecinhas e tiram todos os pensamentos ruins de dentro delas.
No centro do livro, mais do que a ideia de que toda criança precisa crescer, está a ideia de que toda criança precisa de uma mãe. De fato, não apenas as crianças, como até mesmo piratas malvados. Wendy, como mãe dos meninos perdidos, salva a vida deles diversas vezes fazendo coisas que as mães fariam, como impedí-los de comer qualquer comida que acham fora de casa.
É claro que o livro não deixa de ser um pouco racista, e bem sexista em muitas partes. Não digo nem a parte do livro que implica que as mães são escravas dos filhos, e os filhos sabendo disso, se aproveitam dela ao máximo, mas da parte em que o livro implica que dentro de toda menina está o desejo de ser mãe, e as habilidades para isso. Wendy ama costurar as meias rasgadas dos meninos, cozinhar para eles, colocá-los para dormir, mas não devemos esquecer de que ela tem a mesma idade mental de Peter, e ainda deveria estar agindo como uma criança, e entrando nas mesmas aventuras que os meninos perdidos.
Há também o fato interessante de que todas as mulheres do livro parecem se apaixonar por Peter Pan. Modos diferentes de paixão. A paixão de Wendy é a paixão de criança, aquela inocente, de beijos na bochecha. A de Sininho é mais violenta, mais obsessiva, mais adulta. A de Lírio Selvagem, que embora não muito trabalhada, também existe claramente. E até mesmo a da mãe de Wendy, que se apaixona por Peter como uma mãe se apaixona por uma criança, e que no final, dá o seu tão estimado beijo para ele.
O livro é engraçado em muitas partes. Eu mesma ri muito com certas falas dos meninos perdidos. Mas por baixo de tudo isso, e no centro no livro, existe um grande drama. O drama de Peter. Peter não escolhe ser criança para sempre por simplesmente não querer ser adulto, mas sim por medo do que virar adulto vai trazer. Ele não é mais uma criança, em muitos aspectos, mas está para sempre impedido de ir ao próximo estágio. Como toda criança, ele tem aquela arrogância, aquela prepotência inocente, aquele desejo de ser o centro. Ele tem grande imaginação, e uma grande vontade de que as coisas sejam justas. Mas ao mesmo tempo ele sente que existe algo que está faltando, e tem inúmeros pesadelos todas as noites. Talvez esses pesadelos sejam pela falta de uma mãe que arrume sua cabeça quando ele dorme...
Eu acho que o fato de que Peter se esquece muito rápido das coisas é o que o ajuda a ser criança por tanto tempo. Talvez esse esquecimento seja até intencional. Ele se faz esquecer pois, quanto mais experiências tiver, mais ele saberá do mundo, e mais velho ele será. O próprio autor nos narra que toda criança passa por algo que a muda para sempre: a sua primeira injustiça. Peter sempre esquece dessas injustiças, e por isso nunca cresce.
Existem várias passagens que adorei no livro, mas uma das coisas que mais gostei foi como Barrie deixa claro que nem mesmo Gancho é desprovido de seu próprio heroísmo. Todos os personagens do livro matam alguém (menos Wendy), então o que torna qualquer um deles o vilão? O motivo pela qual cada um mata? Até mesmo Gancho faz as coisas preocupado o tempo inteiro com o que seria de bom-tom. Ele não entende como Peter Pan, sem mesmo pensar no que faz, segue o bom-tom de qualquer forma. E não seria matar alguém que haja de acordo com o bom-tom, de mau-tom?

E prefiro não entrar em todo o problema da estranha sexualidade das crianças, que ainda está nascendo, como Peter e Wendy, pois não saberia explicar e existem vários artigos que exploram o assunto melhor do que eu. É muito interessante ler sobre isso, ainda mais aqueles que contam a história de vida de Barrie.
Enfim, o livro é extremamente interessante, e surpreendentemente triste, ao contrário do que muitas adaptações fazem parecer. Com certeza valeu a pena ter lido, e só não ganhou cinco estrelas porque em algumas cenas me deixou um pouco desconfortável (com o sexismo).

Nenhum comentário:

Postar um comentário